segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A.N.C. - Batalhas e Combates
Associação Nacional de Cruzeiros





BATALHAS E COMBATES
da Marinha Portuguesa
Ormuz - 27 de Setembro de 1507
Ao raiar do dia 25 de Setembro do ano de 1507 começou a aproximar-se do
fundeadouro principal da cidade de Ormuz uma estranha esquadra de seis naus,
coberta de bandeiras e pendões que nunca haviam sido vistos por aqueles mares.
Tratava-se de uma esquadra portuguesa que partira de Lisboa no fim do Inverno de
1506, integrada na armada de Tristão da Cunha. O seu capitão-mor chamava-se
Afonso de Albuquerque!
Pelo meio-dia, os navios portugueses alcançaram o porto e fundearam, em ar de
desafio, junto das maiores naus que ali se encontravam, ao mesmo tempo que
salvavam à terra com toda a sua artilharia e as suas guarnições atroavam os ares
com enorme algazarra.
Ormuz era então a cidade mais importante do golfo Pérsico e chave do comércio
marítimo entre a Arábia, a Pérsia e a Índia. Os seus palácios e casas de
habitação em nada ficavam a dever aos da Europa. As suas ruas eram numerosas e
nelas proliferavam as lojas e os mercados, onde se podiam encontrar todos os
produtos do Oriente, desde os mais modestos, como as tâmaras e os limões, até
aos mais sumptuosos, como as pérolas de Barém, os cavalos e as tapeçarias da
Pérsia ou as sedas e as porcelanas da China.
Pois fora precisamente esta cidade, rica e poderosa entre todas, que o rei D.
Manuel de Portugal decidira subjugar, erguendo nela uma fortaleza, e era a isso
que vinha a esquadra de Afonso de Albuquerque.
Ormuz era nessa época um reino praticamente independente, embora vagamente
vassalo do xá da Pérsia. Quem o governava não era o rei, que tinha apenas quinze
anos, mas sim um grão-vizir todo poderoso chamado Cogeatar.


Ormuz - 1507
A chegada dos portugueses, com todo o seu aparato bélico, constituiu um choque
mas não propriamente uma surpresa para este. Na verdade, durante as últimas
cinco semanas não tinham cessado de chegar a Ormuz notícias alarmantes, mesmo
aterradoras, acerca de uma esquadra de frangues (cristãos) e de um terrível
capitão que estava pondo a ferro e fogo a costa de Omã. Sabia-se que Calaiate,
Curiate, Mascate, Soar e Corfação se haviam tornado vassalas do rei de Portugal;
que aquelas que tinham resistido tinham sido tomadas à viva força e saqueadas;
que aos prisioneiros de guerra tinham sido cortados os narizes e as orelhas.
Dizia-se mesmo que os Portugueses comiam gente!
Por tudo isto Cogeatar se sentia apreensivo e tratara de tomar as suas
precauções. Proibira a saída de qualquer das cerca de sessenta naus que estavam
fundeadas em Ormuz e guarnecera-as com muita gente de armas, ao mesmo tempo que
mandava chamar a sua armada, constituída por cerca de cem terradas (navios
parecidos com fustas) que se encontravam na costa da Pérsia.
O que ele felizmente não sabia é que a esquadra de Afonso de Albuquerque, apesar
da fama de que vinha precedida, era muito menos forte do que aparentava. Essa
esquadra tinha passado um longo inverno na costa oriental da África. Integrada
na armada de Tristão da Cunha, colaborara nos assaltos a Hoja e Brava e na
conquista de Socotorá. Tendo perdido muita gente por doença, restavam-lhe apenas
quatrocentos e sessenta homens, metade dos quais doentes ou debilitados. Todos
os navios estavam a precisar de grandes reparações, tanto no casco como no
aparelho. Pior que tudo, havia grandes dissensões entre Albuquerque e os seus
capitães.
Mas Afonso de Albuquerque era um actor consumado e um mestre na arte da guerra
psicológica. Apesar de ter os navios e as guarnições a cair aos bocados e de os
seus capitães estarem à beira da rebelião, comportou-se como se dispusesse da
maior e mais bem equipada armada do mundo e acabou por convencer disso os seus
adversários, criando neles um complexo de inferioridade e de receio.
Uma hora depois de ter fundeado, como não tivesse aparecido ninguém a
cumprimentos, Albuquerque mandou recado à maior nau que estava no porto, junto
da qual tinha largado ferro, para que o seu capitão viesse imediatamente a
bordo, caso contrário a meteria no fundo!
Tratava-se de uma nau enorme, pertencente ao rei de Cambaia, que tinha a bordo
perto de mil homens entre marinheiros e soldados. Pois o que aconteceu é que,
perante o ultímatum de Afonso de Albuquerque, o seu capitão acobardou-se e
foi-se apresentar imediatamente no navio daquele. Para o receber, Albuquerque
montou uma encenação grandiosa, aparecendo ricamente vestido, rodeado de
fidalgos e homens de armas cobertos com armaduras reluzentes e empunhando lanças
e espadas, no meio de bandeiras, colgaduras e almofadas de seda, à mistura com
pelouros, bestas e machados de abordagem.
Aproveitando o efeito produzido por todo este aparato, explicou amavelmente ao
capitão da nau de Cambaia que ele, capitão-mor daquela esquadra, tinha vindo por
mandado de el-rei D. Manuel de Portugal apenas para tomar Ormuz sob a sua
protecção e autorizar todos os navios que navegavam por aqueles mares que o
continuassem a fazer livremente desde que, evidentemente, o reconhecessem por
soberano e senhor. Pediu-lhe que levasse o recado a Cogeatar e que lhe dissesse
mais o seguinte: que, no caso de estar disposto a aceitar tão generosa oferta,
se devia apresentar no dia seguinte naquela mesma nau para assentar pormenores;
caso contrário, que teria muita pena, mas que se veria obrigado a queimar todas
as naus que estavam no porto e a tomar Ormuz pela força das armas como havia
feito com as cidades da costa de Omã que lhe tinham resistido. E acrescentou, à
laia de confidência, que a si tanto lhe fazia, mas até que preferia que Cogeatar
recusasse porque ele próprio, assim como os fidalgos e soldados que ali via, já
estavam com saudades de um bom combate!
Ao receber a mensagem de Albuquerque, Cogeatar pensou que ele devia ser doido
para se atrever a desafiá-lo, apenas com seis pequenas naus metidas no meio de
sessenta muito maiores e bem guarnecidas de gente de armas. Mas o capitão da
grande nau do rei de Cambaia aconselhou-o a que tivesse cautela. O capitão
português o os fidalgos e soldados que estavam com ele pareciam gente muito
perigosa. Que se lembrasse do que tinha acontecido às cidades da costa de Omã!
Cogeatar era um político hábil e prudente. Por isso não se precipitou. Foi
consumindo todo o dia 26 com respostas evasivas e dilatórias, procurando ganhar
tempo, para que a sua armada de terradas pudesse chegar a Ormuz, o que veio a
acontecer nessa mesma noite.
Notando que a coberto da escuridão as naus que estavam mais perto dos navios
portugueses mudavam de posição e ouvindo o rumor provocado pelo intenso
movimento dos batéis que traziam reforços de armas e soldados, Afonso de
Albuquerque compreendeu que Cogeatar não se assustara suficientemente e decidira
combater.


Distribuição das forças
(esquema sem escala)
Ao amanhecer do dia 27, os portugueses puderam constatar que as naus inimigas
tinham ido fundear mais junto à praia, muito próximas umas das outras, tendo a
maior parte delas os costados protegidos com arrombadas feitas com sacos de
algodão. Em algumas, já as guarnições estavam tocando trombetas, fazendo grande
alarido e agitando as armas. Detrás das naus, saiam em grupos compactos as
terradas de Ormuz que vinham tomar posição pelo outro bordo dos nossos navios,
de modo a cercá-los completamente. Ao longo da praia viam-se muitos esquadrões
formados e alguns baluartes com artilharia.
Afonso de Albuquerque não perdeu tempo. Como o vento era muito fraco, ordenou
aos batéis que tomassem as suas naus a reboque e foi fundear a curta distância
da grande nau do rei de Cambaia e das outras naus que lhe pareceu serem as
principais da armada inimiga. E, sem mais detença, abriu fogo!
O inimigo respondeude imediato, travando-se um furioso duelo de artilharia,
acompanhado por contínuas descargas das espingardas e arremessos de flechas,
tudo isso no meio de um barulho ensurdecedor e de uma densa fumarada que o
vento, por ser muito fraco, não conseguia dissipar.
Aproveitando o empenhamento dos portugueses no combate com as naus e as nuvens
de fumo que, em parte, cobriam os seus movimentos, as terradas de Ormuz atacaram
várias vezes pelo bordo contrário. Começaram então as nossas naus a experimentar
algumas dificuldades, pois tinham pouca gente e viam-se obrigadas a sustentar o
combate de artilharia com as naus adversas por um bordo e, ao mesmo tempo,
repelir os ataques das terradas pelo outro. Porém, como estas, devido ao seu
número, eram forçadas a avançar em massas compactas, ofereciam um alvo ideal aos
nossos bombardeiros, que não perdiam um tiro. Depois de algumas delas terem sido
afundadas e outras terem sofrido avarias graves e terem tido muitos mortos e
feridos, desistiram dos seus ataques e regressaram à praia.
Andava ali Cogeatar, num batel, providenciando o envio de reforços para as naus
que estavam sofrendo mais baixas. Ao ver aparecer as terradas, recompletou as
suas guarnições e tornou-as a mandar ao ataque das naus portuguesas. Elas assim
o fizeram mas, de novo, sem qualquer êxito. Nos dois ataques perderam as
terradas de Ormuz quinze a vinte unidades afundadas e muitas mais gravemente
avariadas.
Entretanto, prosseguia o combate de artilharia com nítida vantagem para os
portugueses, cujos canhões de bronze eram muito mais potentes que os canhões de
ferro dos adversários. Das naus que estavam sendo alvejadas pelos nossos navios,
duas já tinham sido afundadas e as restantes, tinham o convés juncado de mortos
e feridos. Vendo a sorte que as naus mais poderosas tinham tido, muitas outras
começaram a aproximar-se ainda mais da praia para onde as suas guarnições fugiam
a nado antes que as nossas naus se aproximassem delas.
Albuquerque tinha dado ordens rigorosas aos seus capitães para que ninguém se
lançasse à abordagem antes de ele pr6prio o fazer, pois que, dada a
superioridade numérica do inimigo, pensava ser mais prudente desgastá-lo e
desmoralizá-lo primeiro com o fogo da artilharia. Porém, quando verificou que a
maioria das naus inimigas já não respondia ao fogo das nossas e que as suas
guarnições começavam a debandar, deu o sinal de abordagem, pelo qual os fidalgos
esperavam ansiosamente, mandando o batel da sua nau aferrar a nau do rei de
Cambaia.
A tomada desta nau não foi fácil. Por um lado, a altura do seu costado tornava
muito difícil a escalada dos portugueses carregados de armas; por outro, ainda
havia nela muitos soldados aguerridos que durante o combate de artilharia tinham
permanecido abrigados nos pavimentos inferiores e que agora surgiam no convés
dispostos a repelir os nossos. Travou-se então um violento combate à arma
branca, em que, mais uma vez, o maior valor, a maior experiência e as armaduras
e capacetes dos portugueses acabaram por levar a melhor. Logo que os capitães
dos persas foram mortos, os soldados lançaram-se à água.
Uma outra grande nau, pertencente à cidade de Fartaque, ofereceu denodada
resistência ao assalto dos nossos batéis, mas acabou por ser igualmente
dominada. Cerca de vinte naus foram capturadas praticamente sem oposição.
Desbaratadas as naus que se encontravam mais longe da praia, os batéis começaram
a perseguir às lançadas os numerosos soldados e marinheiros inimigos que a nado
tentavam chegar a terra. Foi uma verdadeira carnificina, em que foram mortos
mais de um milhar de homens, perante o olhar horrorizado dos habitantes da
cidade que seguiam com ansiedade todas as peripécias da batalha.
Por sobre as águas tintas de sangue dirigiram-se então os batéis portugueses
para as naus que tinham ido fundear junto da praia e lançaram-lhes fogo, ao
mesmo tempo que lhes cortavam as amarras. Arrastadas pela brisa, cerca de trinta
naus, ardendo como archotes, foram descaindo lentamente para a costa da Pérsia,
onde se acabaram de consumir.
Afonso de Albuquerque, que se mudara para um batel, andava de um lado para o
outro, procurando coordenar as acções dos seus homens. Ao passar perto da praia,
Cogeatar mandou atirar-lhe com um canhão de um dos baluartes. Mas o tiro falhou.
Respondeu-lhe imediatamente o «berço» do batel, que acertou em cheio no palanque
donde o rei de Ormuz estava assistindo ao combate. Aterrorizado, o rei fugiu
para a cidade. Cogeatar, vendo que os nossos batéis punham as proas em terra,
receou que os portugueses fossem acometer a cidade e deu ordem às tropas que
estavam na praia para se recolherem a ela. Isso permitiu aos nossos desembarcar
à vontade e tomar de assalto uma pequena povoação que havia no extremo da
ribeira onde alguns soldados de Ormuz se tinham entricheirado numa mesquita.
Seguidamente, começaram a queimar as naus, perto de uma centena, que estavam em
reparação ou em construção na ribeira.
Se essas naus fossem queimadas, seria a ruína completa da cidade de Ormuz, cuja
prosperidade se devia exclusivamente ao comércio marítimo. Por isso Cogeatar
apressou-se a pedir a paz, enviando um «mouro» com uma bandeira branca a Afonso
de Albuquerque. Em altos gritos, increpava aquele os soldados portugueses para
que cessassem de queimar as naus... que pertenciam ao rei de Portugal!
Albuquerque aceitou a rendição a troco do pagamento de um pesado tributo anual e
da autorização para construir uma grande fortaleza na ponta norte da ilha,
destinada a assegurar em definitivo o domínio do Golfo Pérsico e regiões
circundantes pelos Portugueses.
Na batalha naval de Ormuz perderam os Ormuzinos cerca de oitenta naus, entre as
que foram afundadas, queimadas no mar ou em terra, ou capturadas bem como cerca
de trinta terradas afundadas ou capturadas e cerca de três mil mortos além de
muitos mais feridos. Do lado português houve apenas onze feridos, entre os quais
alguns graves.
Terminada a batalha os soldados portugueses puderam verificar que muitos dos
inimigos mortos tinham flechas espetadas no corpo, arma que os portugueses não
usavam. Supomos que terão sido flechas disparadas pelas terradas que, passando
por cima das naus portuguesas, terão ido atingir as guarnições das naus de Ormuz
que estavam do lado contrário. A versão que correu entre os nossos para explicar
o facto foi que Deus tinha enviado os anjos, armados com arcos e flechas, para
combater a seu lado!
Poucos dias depois, Albuquerque deu início à construção da fortaleza. Mas,
algumas semanas mais tarde, teve de desistir e abandonar Ormuz, por três dos
seus capitães terem desertado para a Índia com as suas naus. Tentou no ano
seguinte (1508) recuperar a cidade, dispondo apenas de quatro navios, mas também
não o conseguiu. Parecia então que a grande vitória que alcançara em 27 de
Setembro de 1507 não servira para nada.
Mas não foi isso que aconteceu. A fama que nela alcançara perdurou. E, quando no
Outono de 1515 ali voltou, aureolado pelas conquistas de Goa e de Malaca, Ormuz
entregou-se sem a menor resistência, declarando que nunca deixara de ser vassala
do rei de Portugal!

                Saturnino Monteiro               
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa» (Vol.I)
Bibliografia:
Anónimo, Crónica do Descobrimento e Primeiras Conquistas da Índia pelos
Portugueses, Imprensa Nacional, Lisboa, 1986, p. 311
Castanheda, Fernão Lopes de, História do Descobrimento e Conquista da Índia
pelos Portugueses, Lello & Irmão, Porto, 1979, Vol. I, p. 343
Barros, João de, Décadas, Livraria Sam Carlos, Lisboa, 1973, 3º Vol. p. 122
Góis, Damião de, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Imprensa da Universidade,
Coimbra, 1926, Parte II, p. 99
Sanceau, Elaine, Indies Adventures, Blackie & Son, London and Glasgow, 1936,
p.41
Correia, Gaspar, Lendas da Índia, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1922, Tomo
I, p. 814



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Última actualização: 23 de Maio de 2001
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