O INDESEJADO
Mateus Álvares era um individuo pouco dotado para a acção, para o belo sexo, e para o numerário.
Em determinada altura da sua pós-adolescencia, principiou a conceber planos ambiciosos para o seu futuro.
Primeiro, pensou tornar-se num protótipo de homem de negócios português, tipo, andróide:- off shores, fraude fiscal, subornos, compadrio, nepotismo, sugar o Estado, tudo o que se sabe, ou se intui.
Teria de ser duro, astuto, sem escrupulos para com os subalternos e suas famílias; um ser a quem agradasse o ganho rápido e pouco esforçado, o jogo, a influencia politica, a maçonaria, as almoçaradas, o ganho ilicito, os prostibulos, as amantes.
Depressa abandonou esse rumo de sucesso quase garantido, pois era perfeitamente incapaz desses calculos florentinos, dessas astúcias de pato bravo.
Nunca chegaria tambem a aprender a oficinal arte dos relacionamentos proveitosos, em suma a práxis social.
Ainda tentou o comércio, mas tal profissão depressa se tornou antagónica do seu comportamento disconforme.
A lisonja, era um artifício inacessível ao seu maniqueismo afectivo:
gostava das pessoas, ou não gostava delas - sem estágios intermédios e sem conceder.
Era para além disso, o bastante ingénuo para supor que devia às pessoas que não estimava o dever de manifestar o facto; por orgulho ou por temperamento recusava essas hipocrisias que fazem parte das regras sociais. Julgava-se um homem livre e esperava outro tanto dos outros.
Mal sabia ele, na crueza dos seus verdes anos, que entre os mercandejadores de bens, vantagens e afectos, tudo era objecto de barganha e, que entre eles, até a verdade se tornava elástica, quando submetida á cotação do momento, da oportunidade, do bote se bem que mais tarde, viesse a pressentir nela aquele carácter momemtâneo das paixões vivázes mas fatuas dos humanos.
Viria depois a saber, que em todos os comércios humanos haveria sempre pessoas detestáveis a quem ter de se sorrir, ridículos a quem ter de se abster de o fazer, amores que não se podiam declarar, simpatias inoportunas e inconveniêntes, filhos da puta a quem ter de se prestar menagem - à guiza de conclusão, um imenso acervo de contradições entre o pensar, o ver, o sentir e o declarar.
Acho agora, que a isso se chama sociedade, coisa que no plano mundial, dá pelo nome pomposo e risível de Comunidade Internacional, pois não corresponde a nenhum conceito concreto, senão uma abstracção-tipo "sustentabilidade"(quando se fala de algo que gera alguma forma de prejuizo); pois o que é que se comunga entre países como o Uganda e os EUA - fome? O termo só se deve aplicar a um mínimo denominador comum, o facto de pertencerem todos ao mesmo planeta, ou o facto de serem países?
Não me parece um conceito lá muito operativo, pelo menos, não justifica o constante recurso que se faz dele.
Alguma maturidade fez com que deixasse de manifestar as suas perplexidades mesmo aos próprios amigos; as suas acomodadas opiniões apenas ofereciam ao seu espanto um invariável dito recorrente: "é a vida".
Mas se essa era a lei da vida, semelhante a uma miserabunda e pardacenta realidade , como aquela que salta de um muro velho e em ruinas de um bairro pobre, de gente esquálida e andrajosa, remexendo em caixotes do lixo, de onde ressuma o estigma da pobreza mais humilhada e aviltante - como faria Mateus para se libertar dessa lei de ferro?
Escusado será dizer que a natureza de Mateus era inquieta e nunca satisfeita;
Mateus considerava que a realidade desmanchava um a um os seus mais acariciados sonhos, mutando-os em surreais montões de destroços onde jaziam suas quimeras nuas e inanimadas, um verdadeiro ferro-velho de inutilidades, coisas que ninguem quis, dejectos do consumismo desregrado de uma sociedade que vivia sobre o signo de Mamon o Liberal - o Grandioso Deus do Desperício e da Venalidade; e tudo isto, sem que lhe fosse dada a graça que a maioria tem de se conformar, resignar.
A juventude é aquela idade na vida dos homens em que a vontade é quase cega como uma energia desrregrada e incontrolável dos oceanos, dos cataclismos, nada que um humano possa domar ou armazenar.
Enquanto esse dinamismo se manisfesta na pessoa com tamanha intensidade que o preserva das opiniões adversas - norte dos sensatos e dos hesitantes - bem como dos efeitos destructivos dos desaires, não há nada que impeça o individuo de dar uma trincadela de puro desejo nuns lábios carnudos da femenilidade estéreotipada, fremindo de desejo cósmico da espécie, de ser ele mesmo insciente do seu verdadeiro desígnio, emergindo à supefície do planeta como um afogado de uma primitiva legião humana, provinda dos confins do tempo, que triunfando, garantiu a posteridade diante de extinções, cataclismos, pestes e guerras, e se moldou moldou na sua rapacidade sem limites a que foi condenada pelo Pecado Original- o ser humano é jovem.
Quando ao denodo e à belicosidade da juventude. porque persegue um estrela, sucede a desengraçada e estimável prudência, e a maquinal ciência da espera, sobrevem o germe da velhice interior, assim como nas civilizações, relevando da decadência, que é como quem diz da morte, rodeada de todas as suas miseráveis economias-assim se chegou ao demoliberalismo, assim se envelhece e corrompe(CORRUPÇÃO)
Foi assim que Mateus se tornou numa criança encurralada dentro de um homem - condoída do por-fora.
Recusando-se a encarar a vida como um fardo - há lá ónus mais pesado do que o dever? - recusou-se também a crescer.
Não havia aceitação do crescimento, se ele fosse uma renúncia para integração naquela sociedade objectivada e positiva, pois se iriam haver outras.
O que não havia era a eternidade para os humanos...
O que havia era uma ordem global sem centro e sem um responsável concreto e eleito e as sociedades eram, obscuramente comandadas por caras invisívieis e sem qualquer especie de mandato.
Travesso como todas as crianças normais, passava pelo vexame das repreensões diárias.
Os melhores da turma ano após ano, figurando sempre, claro está, no almejado quadro-de-honra - magro estimulo para a sua inadequação ao espírito da época, eram os SS.
Os melhores da turma ano após ano, figurando sempre, claro está, no almejado quadro-de-honra - magro estimulo para a sua inadequação ao espírito da época, eram os SS.
Crianças prodígio. os SS, jamais descuravam os trabalhos-de-casa, faziam de bom grado os recados à mãe e às tias, ajudavam a pôr e a levantar a mesa, rezavam antes e depois das refeições, e o terço, todas as tardes.
"Nossa Senhora, salvai Portugal, salvai Portugal".
Não tardou muito a começar a detestá-los pela sua perfeição irepreensível.
A ele nunca lhe pareceram assim tão sobre-naturais; estava quase certo de que cediam com demasiada facilidade à delacção(dever cristão para eles); não sabiam jogar ao "descasca", num circulo de giz com o peão de bico chinês, nem ao "abafa" - com o "guelas" eram uma lástima que provocava em Mateus um misto de raiva contida e de comiseração.
No recreio ficavam sempre á parte das brincadeiras dos outros rapazes, violentos, hiper-activos, briguentos e praguejadores; quedavam-se sempre sentadinhos no murinho branco do colégio, a levar calduços, esperando com resignado desejo que o recreio findasse. Não andavam à pancada com os da quarta-classe como Mateus e o Cabral.
Como poderiam os SS sentir dilatação dos seus peitos emurchecidos pela glória de um sobrolho aberto, vá um olhito negro, um nariz sangrante, grã recompensa de uma boa bulha com o "gordo" o aluno mais forte do colégio, depois de o peitar, diante da terceira e quarta-classes em peso, deslumbrada e muda com o atrevimento da façanha?
Poderiam vir a ter tudo da vida, mas isso nunca sentiriam.
Foi com gente deste, de "eusébiozinhos das pernas tortas" que a "outra senhora" se finou, sem um tirito civil, sem um protesto, nada.
Se Mateus aparecia em casa com o bibe em vergonhosas tiras e com um olho negro, não só ficava de castigo, um mal menor, como ainda tinha de ouvir uma invariável lenga-lenga:
-os SS nunca andam à pancada, o menino é um rebelde, um amotinado, os SS são amigos dos professores e dos outros meninos todos; os pais os outros meninos querem-nos para companhia e ao menino não; os pais desses meninos que apreciam os SS, tem quintas e propriedades, os seus amigos não, são arruaceiros, como o menino.
Logo identificou os SS com a normalidade e vice-versa, e bem cedo se assumiu como um inconforme.
Não tinha aquela gratificante facilidade em se adaptar às normas ditadas pelas circunstâncias(Hegel, na sua filosofia da História Universal achava que moralidade, era o sujeito conformar-se com as normas vigentes daquela sociedade positiva, em que se tinha existência, onde soprava ou deixava de soprar o vento da história, onde soprava o espírito, ou onde a história já cristalizara).
A todos os condicionamentos colocados pelos professores à sua curiosidade ávida e ágil, opunha ele um descorçoado mas subversivo "porquê". Para que serve o bibe? Para que serve a tabuada? Porque é que os meninos pobres andam na escola da câmara? Porque é que se faz a Primeira Comunhão?
Uma grande porção de "porquês" que ficariam sem resposta até muito mais tarde, quando despertou nele o autodidacta(La Nausée, sartre)
Agora, dobrado o cabo dos vinte anos, constatava com algum desalento a sua indeterminação e era ele que se preocupava com a sua inabilidade para a vida adulta.
Nas suas depressões, que era moda chamar de crises existenciais, sentia-se quase uma criatura bizonha como os lagartos patudos e acasmurrados que povoaram as remotas datas da criação. Era preciso não se deixar extinguir como eles, que foram uma mera ponte na evoluçao.
O víl metal escoava-se-lhe através dos dedos magros e esguios como uma água inefável.
As sua mãos eram mais talhadas para afagar as texturas agradáveis e sensuais das formas belas, para os gesto elegantes, fáceis e sedosos dedicados ao desfrute das circustâncias prazenteiras de uma vida ociosa, dispendida em elegante ciência aristocrática de puro desperdício, e, muito menos, trasnsparece, para segurar firmemente o que quer que fosse.
Metade do legado que o seu querido avô Manuel Cortes lhe fizera, para garantir a sua independencia, era já dissipado - numa confirmação de uma sinistra e prudente mântica paterna.
Qunto a Mateus, por agora ainda não se preocupava com o caso. Estava certo de ter sabido dilapiar o seu património com aquela genuina magnificiência de grand seigneur, daqueles que se arruinam com o divino fastidio da galanteria(Le Notre, historias estranhas).
Quer dizer, se havia precisão de investir, dedicou-se outrossim à magna tarefa de degustar todos os néctares da sua Pátria querida a Dioniso; se as utilidades marginais dos bens consumidos se queriam pondereradas, rasgou todas as "leis" da economia daqueles selvagens puritanos, que dão pelo nome de liberais.
Revoltou-se com extremismo contra a fealdade da lógica económica, abandonamdo-se a um comprometimento absoluto para com as pantagruélicas orgias.
Porque e só porque, vivia na sombria Idade da Razão, o futuro não podia deixar de lhe parecer algo de nebuloso e de imaterial, um longo corredor angusto e tenebroso; trajecto incerto que se interromperia de súbito ao cabo de um nada absurdo.
Como havia de poder dedicar-lhe projectos longo e fastidiosos e inuteis da plácida ara ataviada pelo seu apego frívolo ao mundano, ao momento bem vivido e satisfeito de si?
Não estava ao seu alcance definir o destino.
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O destino pertencia cada vez menos aos homens e a Deus, e cada vez mais às leviatânica e intrusivas estatísticas, indicadores, previsões do Estado subordinado à Globalização, aos Mercados - as novas deidades do panteão do Homo economicus, agora já não cidadão, agora quase apátrida, agora só súbdito consumidor.
Na verdade, tornara-se agnóstico e determinista em virtude de uma certa lassidão moral, inscrita no seu temperamento por uma vida dissoluta, mas também pela força irresistível com que era afectado pelas coisas exteriores - as tais que traçavam um rumo inescapável na presente irresoluçao da sua imediatidade existencial.
O Futuro, tomava a seus olhos o conspecto(aspecto) de um grotesco manipanso, engendrado por algum realizador de Woliood de filmes de classe B,